No Brasil, o racismo está presente nos espaços sociais e impacta até mesmo as crianças pequenas, muitas vezes de forma silenciosa e naturalizada. Dados recentes mostram que creches e pré-escolas concentram a maioria das denúncias de racismo e de injúria racial, com mais de 5,2 mil violações registradas pelo Disque 100 só em 2024. No Dia da Consciência Negra, surge uma reflexão fundamental: como construir práticas antirracistas desde a primeira infância, tanto dentro quanto fora dos ambientes terapêuticos e de reabilitação?
Por que o antirracismo começa na primeira infância?
Estudos recentes da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal revelam que uma em cada seis crianças de até seis anos já sofreu racismo, o que ressalta o impacto da discriminação logo nos primeiros anos de vida (segundo pesquisa da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal). Esses dados nos levam a reconhecer que o enfrentamento do racismo precisa começar muito antes da adolescência ou da vida adulta.
Na perspectiva do desenvolvimento infantil, ambientes que validam a diversidade e celebram identidades fortalecem o senso de pertencimento da criança. Crianças aprendem pelo exemplo e absorvem valores desde o nascimento. Quando uma prática terapêutica ou educativa é orientada para o respeito à diversidade étnico-racial, o desenvolvimento emocional, cognitivo e social passa a ser favorecido.
As primeiras palavras sobre racismo podem transformar vidas inteiras.
Além disso, pais, educadores e terapeutas que se posicionam de forma antirracista abrem espaço para que as crianças negras, pardas e indígenas sejam vistas, escutadas e valorizadas em suas histórias e identidades.
Como o racismo se manifesta na infância?
Racismo não é apenas a ofensa direta. Ele pode aparecer pelo silenciamento, pela ausência de bonecos ou livros com representatividade, ou quando adultos validam piadas e apelidos pejorativos. O preconceito estrutural se manifesta na falta de oportunidades, no tratamento diferenciado e na estigmatização da aparência de crianças negras.
Segundo o Ministério da Igualdade Racial, a raça permanece como principal fator de discriminação no país. No contexto da primeira infância, isso se traduz em episódios de violência verbal, exclusão de brincadeiras, recusa de toque, desvalorização de traços físicos e baixa expectativa quanto ao potencial dessas crianças.
No campo da saúde, desigualdades se refletem desde o acesso a serviços até o cuidado prestado, como mostra o boletim epidemiológico do Conselho Nacional de Saúde, que evidencia impactos do racismo na mortalidade materna.
Práticas antirracistas nos ambientes terapêuticos e de reabilitação
Terapeutas de reabilitação desempenham um papel crucial no combate ao racismo na infância. Eles mantêm contato frequente com famílias e crianças, o que favorece o acolhimento de denúncias, a orientação de condutas e a disseminação de valores antirracistas. Compartilharemos algumas práticas que podem ser aplicadas tanto em consultório quanto em espaços coletivos:
- Promover a diversidade nos materiais terapêuticos, incluindo brinquedos, livros, jogos e figuras que representem diferentes etnias, culturas e belezas.
- Criar ambientes seguros para conversas sobre identidade racial, ouvindo as crianças e acolhendo dúvidas sem julgamento.
- Capacitar equipes para identificar e reagir a manifestações de racismo, desde microagressões até atitudes explícitas.
- Respeitar e valorizar as formas de expressão cultural das famílias, incluindo músicas, festas e tradições.
- Evitar pressupor limites ou dificuldades com base em padrões raciais, reconhecendo o potencial único de cada criança.
- Registrar e monitorar situações de discriminação para orientar respostas adequadas e construir um histórico seguro.
- Envolver famílias em práticas antirracistas, orientando diálogos em casa e promovendo a participação ativa dos responsáveis.
Criar pertencimento é também criar saúde.
Nesse processo, recursos como compartilhamento seguro de informações, prontuário eletrônico estruturado e integração da equipe multidisciplinar ajudam a transformar o cuidado em uma rede colaborativa e mais justa, como sugerido em discussões sobre atuação multidisciplinar.
Como conversar sobre racismo com famílias e crianças?
Abordar o racismo na primeira infância exige sensibilidade, mas também objetividade. A melhor abordagem é a que respeita o nível de entendimento da criança, sem subestimar sua capacidade de reflexão. Exemplos concretos e histórias reais facilitam a compreensão. Seguem algumas estratégias observadas em experiências clínicas:
- Usar livros infantis com personagens negros e temas de inclusão como ponto de partida para a conversa.
- Promover rodas de diálogo sobre diferenças e semelhanças, incentivando a criança a compartilhar suas experiências.
- Valorizar a escuta ativa quando a criança relata um episódio desconfortável, evitando minimizar ou desqualificar os sentimentos.
- Explicar de forma clara que racismo é errado, e que atitudes discriminatórias não são aceitáveis sob nenhuma circunstância.
- Trabalhar o acolhimento das famílias, reconhecendo medos e inseguranças, mas também fortalecendo a autonomia na denúncia.
Para terapeutas, é possível ampliar o próprio repertório participando de formações promovidas por entidades, como as que surgem da parceria entre o Ministério da Igualdade Racial e UNICEF (programas de capacitação para práticas antirracistas).
Desafios e oportunidades para equipes de reabilitação
O enfrentamento do racismo na infância é uma missão coletiva que demanda planejamento, formação e atitude. Para equipes de reabilitação, surgem alguns desafios, como:
- Identificar e desconstruir vieses inconscientes presentes nas rotinas de atendimento.
- Acolher famílias que já sofreram experiências traumáticas na saúde ou na educação.
- Articular práticas baseadas em evidências, registrando de modo ético e seguro todo o processo.
- Adotar uma abordagem centrada na família como eixo de cuidado.
- Buscar referências técnicas atualizadas sem perder a escuta das necessidades locais e das histórias de cada território.
Por outro lado, há um movimento crescente de formação de redes, produção de materiais pedagógicos e compartilhamento de experiências positivas, fortalecendo o protagonismo dos profissionais.
Mudar a história do racismo na infância é possível. Exige, porém, compromisso, empatia e abertura para aprender continuamente.
Recursos, formação e inspirações para equipes
Para profissionalizar o combate ao racismo na infância, diversos caminhos se apresentam:
- Buscar bibliografia especializada sobre práticas antirracistas em livros, revistas e sites institucionais.
- Participar de cursos e debates sobre direitos humanos e diversidade na infância.
- Desenvolver materiais próprios em colaboração com a comunidade atendida, respeitando os dialetos, as expressões e os símbolos locais.
- Investir em tecnologia digital para gestão clínica e organização de informações.
- Explorar iniciativas intersetoriais, integrando saúde, educação e assistência social.
Conclusão
O Dia da Consciência Negra suscita reflexões, mas os dados mostram que a mudança deve ser cotidiana e concreta. No enfrentamento ao racismo na infância, as práticas antirracistas começam com pequenas escolhas: que brinquedos acessamos, que histórias contamos, como reagimos diante de injustiças. Profissionais de reabilitação, famílias, terapeutas e educadores têm a oportunidade de construir espaços seguros, onde cada criança se reconheça, se sinta amada e possa crescer com sua identidade valorizada. O caminho é longo, mas cada gesto de acolhimento, cada registro responsável e cada palavra de respeito aproxima a sociedade de um futuro menos desigual e mais humano.
Perguntas frequentes sobre práticas antirracistas na infância
O que é o Dia da Consciência Negra?
O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de novembro e busca promover a reflexão sobre a inserção do povo negro na sociedade brasileira, reconhecendo sua luta e contribuindo para o combate ao racismo. A data homenageia Zumbi dos Palmares, líder quilombola símbolo da resistência à escravidão.
Como ensinar crianças sobre antirracismo?
É possível ensinar crianças sobre antirracismo de várias formas: usando livros ilustrados diversos, promovendo brincadeiras inclusivas, discutindo experiências cotidianas e mostrando exemplos positivos de respeito e valorização de diferentes culturas. O mais importante é manter o diálogo aberto e respeitar os sentimentos da criança.
Quais práticas antirracistas usar na infância?
Entre as práticas indicadas estão: escolher brinquedos que representem diferentes etnias, abordar temas de diversidade nas rodas de conversa, estimular o respeito nas interações sociais, compartilhar histórias de pessoas negras, buscar formações para adultos e registrar situações de discriminação de modo adequado.
Por que falar de racismo com crianças?
Falar de racismo com crianças ajuda a prevenir situações discriminatórias e promove o desenvolvimento da empatia e da justiça desde cedo. Silenciar o tema pode perpetuar preconceitos e contribuir para a naturalização da desigualdade social.
Onde encontrar materiais antirracistas para crianças?
Materiais antirracistas podem ser encontrados em livros infantis, projetos de literatura, plataformas digitais de educação, associações culturais e sites institucionais ligados aos direitos humanos e à infância, como os citados por programas do Ministério da Igualdade Racial em parceria com o UNICEF.